Seguro de Vida e a Declaração Inicial do Risco

Quase todos os adquirentes de imóveis, com recurso a financiamento bancário, celebraram com uma seguradora um contrato de seguro do ramo vida ou aderiram a um contrato de seguro do ramo vida celebrado pela instituição de crédito.

São várias as virtudes da celebração ou da adesão a um contrato de seguro de vida. Os contratos de seguro de vida tem associada a cobertura morte e/ou a invalidez dos segurados/devedores. Para além de serem um importante instrumento financeiro para as instituições bancárias, porquanto assegura uma rápida amortização dos empréstimos em caso de infortúnio dos segurados é também um importante instrumento de segurança para o agregado familiar do devedor. Em caso de sinistro do segurado que tenha como consequência a ausência de capacidade de gerar rendimentos ou morte, proporciona ao segurado e/ou ao agregado familiar, estabilidade patrimonial e financeira ao liquidar um importante encargo financeiro ao qual o contrato de seguro está associado.

Não obstante as virtudes, não raras vezes, para além do infortúnio familiar decorrente da morte ou da invalidez dos segurados, ocorrem vicissitudes na efetivação da garantia contratada ao seguro.

Uma percentagem elevada dessas vicissitudes respeita a irregularidades da DECLARAÇÃO INICIAL DO RISCO.

Nos contratos de seguro de vida a declaração inicial do risco, geralmente é assegurada através do preenchimento de um questionário clinico.

Não vamos aqui explorar a natureza jurídica do questionário clinico ou a sua adequabilidade a assegurar uma adequada comunicação de risco.

Antes iremos alertar para a importância do conteúdo dessa declaração inicial e para as consequências de uma declaração omissa ou deficiente, intencionalmente ou não.

Os artigos 24º a 26º da Lei 72/2008, de 16 de Abril, na sua atual redação, disciplinam o teor da declaração inicial do risco.

O principio geral da declaração, apresenta uma formulação genérica, mas preocupante do ponto de vista do segurado e do tomador de seguro, porquanto disciplina nos seguintes termos “(…) está obrigado, antes da celebração do contrato, a declarar com exactidão todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo segurador.”

O principio orientador do conteúdo da declaração determina que o segurado ou o tomador de seguro deve descrever tudo o que entenda dever relacionar-se com os riscos a segurar.

O problema prende-se com a falta de formação e consciência dos consumidores, das circunstancias que são importantes para a seguradora.

No caso concreto dos seguros de vida, atenta a formulação jurídica, o segurado ou tomador deve reportar todos os problemas de saúde que eventualmente possua, mesmo aqueles que lhes pareçam irrelevantes para a contratação de um seguro de vida.

Devem os consumidores ter presente, que no âmbito dos processos extrajudiciais e judiciais de regularização dos sinistros, as seguradoras acederão a toda a informação clinica de que os clientes são titulares.

No âmbito da regularização dos sinistro em seguros de vida vigora um autêntico “BIGBROTHER” da situação clinica do sinistrado.

Não devem os proponentes dos seguros, no âmbito dos seguros de vida, omitir ou declarar com diminuição, eventuais consumos de substâncias consideradas clinicamente nocivas, nomeadamente tabaco e álcool.

Em caso de necessidade, havendo essa informação no médico de família ou de qualquer especialidade, as seguradoras saberão que faltaram à correção nas declarações.

Todas estas omissões encerram consequências.

Dependem as consequências das omissões e inexatidões da avaliação a realizar por um Tribunal sobre se a omissão é dolosa ou negligente.

Em caso de omissões ou inexatidões dolosas, ou seja, intencionais o contrato é anulável por simples declaração da empresa seguradora.

Em caso de sinistro garantido pelo contrato de seguro, verificando-se posteriormente uma situação de incumprimento doloso da declaração inicial do risco, a seguradora não está obrigada a cobrir o sinistro e pode declarar a anulabilidade do contrato de seguro.

Não tendo ocorrido sinistro e a seguradora tome conhecimento de uma situação de incumprimento, aquela dispõe do prazo de três meses para declarar a anulabilidade do contrato de seguro.

Verificando-se omissões ou inexatidões negligentes, várias soluções são propostas pelo legislador, em conformidade com as circunstâncias do caso concreto.

Tomando conhecimento da situação de incumprimento, a seguradora deverá declarar ao tomador de seguro ou ao segurado, no referido prazo de três meses, uma de duas coisas:

  • Propor uma alteração do contrato, fixando um prazo, não inferior a 14 dias, para o envio da aceitação ou, caso a admita, da contraproposta;
  • Fazer cessar o contrato, demonstrando que, em caso algum, celebra contratos para a cobertura de riscos relacionados com o facto omitido ou declarado inexatamente.

Em caso de sinistro ocorrido antes de verificada, pela seguradora, a situação de incumprimento, propõem-se duas alternativas:

  • O segurador cobre o sinistro na proporção da diferença entre o prémio pago e o prémio que seria devido, caso, aquando da celebração do contrato, tivesse conhecido o facto omitido ou declarado inexactamente;
  • O segurador, demonstrando que, em caso algum, teria celebrado o contrato se tivesse conhecido o facto omitido ou declarado inexactamente, não cobre o sinistro e fica apenas vinculado à devolução do prémio.

Do que fica dito, é de fácil conclusão, que os consumidores de produtos de seguro do ramo vida devem ter uma especial atenção no momento da celebração dos contratos de seguro de vida, nomeadamente quanto ao teor da declaração inicial de risco.

Deve ter-se a preocupação de descrever o mais real possível a situação pessoal e de saúde de cada proponente, sob pena de em caso de necessidade por ocorrência de sinistro o seguro ser declarado anulado.

Mais importante que a própria regularização do sinistro é assegurar que o contrato de seguro seja sólido e baseado em declarações negociais inabaláveis.

Se sentir necessidade de ser assessorado na celebração de um contrato de seguro do ramo vida, não deixe de se fazer acompanhar por um profissional forense habilitado.

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