Contrato de Seguro do Ramo Automóvel: Perda Total e Indemnização Emergente da Privação de Uso

A circulação automóvel constitui contemporaneamente uma actividade básica da nossa vivencia diária e uma actividade de risco, constitutiva de perigo para a saúde e vida humana.

São de conhecimento geral as consequências nefastas dos acidentes de viação.

O D.L. 291/2007, de 21 de Agosto, denominado de Regime do Sistema de Seguro de Responsabilidade Automóvel, transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva 2005/14/CE, relativa ao seguro de responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis.

Nos termos do art.º 4º do identificado diploma, toda a pessoa que possa ser civilmente responsável pela reparação de danos corporais ou materiais causados a terceiros por um veículo de circulação terrestre a motor, que necessite de título de condução, deve contratar um seguro que garanta tal responsabilidade.

O contrato de seguro de natureza obrigatória garante a indemnização aos lesados, de todos os danos sofridos, pelo responsável civil pelo sinistro independentemente da capacidade financeira deste.

Os danos potencialmente decorrentes de um acidente de viação são de natureza variada.

Neste texto iremos tratar do dano “Perda Total” e “Privação de Uso”.

O objecto suscetível de ser declarado em situação de perda total é o veículo interveniente no acidente.

Nos termos do art.º 41º do D.L. 291/2007, um veículo é considerado em situação de perda total quando se verifique uma das seguintes situações:

  1. Desaparecimento ou destruição total;
  2. Reparação materialmente impossível ou tecnicamente desaconselhável, por terem sido afectadas condições de segurança;
  3. O valor estimado de reparação dos danos sofridos, adicionado do valor do salvado, ultrapasse 100% ou 120% do valor de mercado do veículo, consoante se trate de veículo com mais ou menos de dois anos;

O identificado normativo refere, verificada uma das situações, que o valor de indemnização corresponde ao valor venal (valor de mercado) do veículo antes do acidente, deduzido do valor do salvado caso fique na posse do lesado.

O regime da perda total, plasmado no art.º 41º do referido diploma, em parte contraria o princípio geral da reparação natural previsto no Código Civil.

O art.º 562º do Código Civil dispõe que aquele que estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria para o lesado se não tivesse ocorrido o sinistro.

Somos do entendimento que a regra geral só poderá ser afastada quando a reparação natural não poder ser concretizada, não repare de forma integral os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor.

Na prática judicial, não raras vezes, ocorre o confronto entre a declaração de perda total e a obrigação de reparação natural, isto é, a reparação do veículo sinistrado. Situação que ocorre essencialmente quando o valor da reparação, adicionado do valor do salvado, exceda os 100% ou 120% do valor de mercado do veículo sinistrado na data do acidente.

A resposta à divergência é obtida a partir do critério da excessiva onerosidade para o devedor.

Se a reparação é efectivamente excessiva comparativamente ao valor de mercado do veículo, ou seja, o valor da reparação é um encargo não exigível ao devedor nos termos da regra geral, então o lesado deverá ser indemnizado segundo os critérios da perda total.

Se a reparação for de valor superior ao valor de mercado adicionado do salvado, mas não de forma excessiva, então o lesado deve poder optar entre a indemnização por perda total ou a reparação do veículo.

Não obstante a posição maioritária da jurisprudência no sentido da reparação natural, as seguradoras na fase de resolução extrajudicial dos sinistros aplicam de forma matemática e literal o regime do art.º 41, declarando em situação de perda total veículos que não estão nessa situação. O que causa prejuízo ao lesado.

Pelo que deve aconselhar-se devidamente antes da aceitação da proposta da seguradora.

Outro dano de especial relevância nos acidentes de viação é o dano por privação de uso do veículo acidentado.

Geralmente ocorre quando o veículo não fica em condições de circulação após o acidente.

Consiste na impossibilidade de o proprietário utilizar o veículo, dentro da utilização normalmente empreendida. O proprietário sofre um conjunto de constrangimentos na sua liberdade individual e vê o seu direito de propriedade violado, nomeadamente no direito à fruição do automóvel.

O prejuízo por privação de uso é individual dos demais danos e deve ser quantificado de forma autónoma.

Contrariamente aos demais, o dano de privação de uso é um dano de natureza continuada porquanto ocorre enquanto o veículo não se encontra reparado ou o proprietário indemnizado do valor da reparação ou da declaração de perda total.

As seguradoras, quando declaram um veículo em situação de perda total, defendem que após essa declaração não mais ocorre o dano de privação.

Todavia, a maior das vezes não lhes assiste razão.

Se o lesado não aceitar a proposta, porque não aceita o valor de indemnização ou exige a reparação natural e, judicialmente lhe for atribuída razão a seguradora deve pagar ao lesado a privação que tenha sofrido desde a data do acidente até à reparação ou pagamento da indemnização fixada judicialmente, independentemente da proposta que tenha realizado na fase extrajudicial.

Esperamos ter sido esclarecedores e motivadores para um acompanhamento profissional na regularização dos danos decorrentes de acidentes de viação.