A Usucapião

A usucapião ainda é uma figura jurídica controversa. Alguns (cada vez menos) ainda ousam argumentar a inconstitucionalidade deste instituto jurídico, afirmando tratar-se de uma espécie de “expropriação” sem indemnização.

Etimologicamente, usucapião significa aquisição (capio) pela posse (usu). No Código Civil, vem descrita no art.º 1287.º, da seguinte forma: “A posse do direito de propriedade, ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde à sua actuação: é o que se chama usucapião”.

A razão e fundamento da usucapião reside na “posse”, que no art.º 1251.º do mesmo Código vem descrita como “o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real”.

E tem essencialmente duas funções:

  • Uma função consolidação das situações de facto em que as coisas se encontram, assumindo um papel regularizador na ordem jurídica, dando azo a que a exteriorização de um direito através da posse possa vir a consolidar-se com a aquisição do direito exteriorizado e evitando a multiplicação de actos de disposição feridos de ilegitimidade, cuja nulidade poderia ser arguida a todo o tempo (art.º 286.º do Código Civil), com a forte insegurança jurídica daí decorrente; e
  • Uma função probatória, facultando ao possuidor a prova do seu direito real por facto jurídico diverso da mera aquisição translativa (compra e venda, doação, dação em pagamento, etc.).

Pode dizer-se que, em regra, o “direito de propriedade” e os demais direitos reais só são protegidos se forem exercidos. O modo do seu exercício é, precisamente, através da “posse”. Note-se que o “poder de facto” sobre as coisas é tão relevante que o legislador introduziu na Lei a presunção legal de que, em caso de dúvida, presume-se a posse naquele que exerce o poder de facto sobre a coisa (art.º 1252.º, n.º 2 do Código Civil).

Mas não haja confusão: a usucapião não é uma expropriação, nem pode ser vista como um ataque ao direito de propriedade, mas antes como um “tributo à posse”. Tanto assim é que apenas opera na condição de se verificar uma posse de longa duração, exercida contra quem, embora titular do direito de propriedade, se colocou em relação a ela numa posição de inércia, deixando que outrem lhe desse uso, conferindo-lhe função social e económica mais relevante

A usucapião é um modo de aquisição “originária” de direitos reais. Esta é uma característica decisiva: o direito usucapido surge “ex novo” na esfera jurídica do possuidor, retrotraindo à data do início da posse, independentemente e apesar do direito do titular anterior, que se extingue por incompatibilidade, uma vez corrido o prazo legalmente exigido.

A usucapião pressupõe a verificação, em termos gerais, dos seguintes requisitos:

  • Uma posse – com “corpus” (a posse propriamente dita) e com “animus possidendi” (a convicção com que se possui);
  • Uma posse à semelhança do direito de propriedade ou de outro direito real de gozo;
  • Uma posse prolongada – durante relevante espaço de tempo, maior ou menor, consoante o bem possuído seja imóvel ou móvel, e atentas as características que aquela revista;
  • Uma posse vencedora – que aniquile ou restrinja o eventual direito de outro titular do bem.

Como se verifica, na base da usucapião está a exteriorização da posse pacífica, com publicidade (à vista de todos). Não é qualquer posse que a legitima: tem de ser uma “posse boa para usucapião”, isto é, tem de ser pública e pacífica. A posse oculta ou violenta é inidónea para a usucapião.

Tem ainda de ser uma posse com o ânimo do direito correspondente. Isto significa, em termos simples, que quem invoca a usucapião tem de agir com plena e incontroversa convicção de ser proprietário ou consorte da coisa, isto é, com a convicção do exercício de um direito próprio.

Como referimos, a usucapião tem uma importante função social, mas tem também uma importante função judicial ou probatória.

Vejamos alguns exemplos:

  • Se duas pessoas reivindicam simultaneamente o direito de propriedade sobre uma parcela de terreno como fazendo parte do seu respectivo prédio, o litígio é resolvido a favor daquele que demonstrar (provar) estar na sua posse pelo lapso de tempo necessário para o efeito.
  • Se dois consortes reivindicam o direito a águas de rega e/ou lima nos mesmos dias e períodos (seja esse direito de propriedade ou de servidão), o litígio é resolvido a favor daquele que demonstrar (provar) estar na posse daquela água, nos referidos períodos e pelo lapso de tempo necessário para o efeito.
  • Se um proprietário vem acedendo ao seu prédio através de um caminho existente noutro prédio, pertencente a outro proprietário, poderá reivindicar o correspondente direito de servidão de passagem quando essa sua conduta se verificar pelo lapso de tempo necessário para o efeito;
  • Se o proprietário de um prédio onerado com servidão de passagem a favor de outro (prédio dominante) demonstrar que o caminho não é utilizado há mais de 20 anos, poderá peticionar a extinção da servidão pelo não uso.

Em jeito de síntese, podemos afirmar que a usucapião tem uma importante relevância prática e social, ao nível da estabilização das situações de facto e da resolução judicial de litígios entre vizinhos, proprietários, consortes, etc.

E como sempre, a CCM Advogados está preparada para aconselhar e defender os interesses dos seus clientes nesta tão importante matéria.

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