Servidões Prediais e Servidões de Vistas

Apelidadas de “direitos reais menores”, as servidões prediais são encargos impostos num prédio (denominado “serviente”) em proveito exclusivo de outro (denominado “dominante”), pertencente a dono diferente.

O seu conteúdo pode assumir quaisquer utilidades susceptíveis de beneficiar o prédio dominante em prejuízo do prédio serviente, por exemplo: servidão de águas (de presa, de aqueduto, de escoamento), servidão de passagem, servidão de vistas, entre outras.
Neste artigo, debruçamo-nos especificamente sobre a servidão de vistas, que é sem dúvida uma das mais complexas.

A servidão de vistas, pode ser constituída por usucapião ou de forma voluntária (por escritura pública ou documento particular com termo de autenticação).
A lei não oferece a sua definição, dispondo apenas que a existência de janelas, portas, varandas, terraços, eirados ou obras semelhantes, em contravenção do disposto na lei, pode importar a constituição de servidão de vistas por usucapião.

Como tal, a servidão de vistas só pode constituir-se em face de obras irregulares.

E que obras e restrições são essas?

O art.º 1360.º do Código Civil estipula que:

  • O proprietário que no seu prédio levantar edifício ou outra construção não pode abrir nela janelas ou portas que deitem directamente sobre o prédio vizinho sem deixar entre este e cada uma das obras o intervalo de metro e meio;
  • Igual restrição é aplicável às varandas, terraços, eirados ou obras semelhantes, quando sejam servidos de parapeitos de altura inferior a metro e meio em toda a sua extensão ou parte dela.

A praxe judicial ensina-nos que vigora a ideia generalizada de que, na base destas restrições, está a defesa da devassa da reserva da intimidade da vida privada. Tal afirmação está muito distante da realidade.

As restrições previstas na mencionada disposição legal visam fundamentalmente a defesa do direito de propriedade. Não são as “vistas” que estão em causa, mas a devassa traduzida na possibilidade de ocupação do prédio vizinho por virtude da abertura de uma porta ou de uma janela, ou do debruçar ou estender um braço, sobre o prédio vizinho.

Dito de outra forma: estamos perante restrições destinadas a prevenir a ocupação ou invasão do espaço do prédio vizinho (o que se traduz na violação da propriedade alheia).

É fácil chegar a esta conclusão, porque, se a defesa do “olhar” tivesse sido a maior procuração do legislador, o curto espaço de segurança / distância exigido (um metro e meio) certamente não protegeria, de forma alguma, contra as vistas.

Mas, pelo revés, é espaço suficiente para prevenir que portas e janelas se abram, ou que o corpo de uma pessoa se debruce ou estenda, sobre o prédio vizinho.

E daí que, quando as varandas, terraços, eirados ou obras semelhantes, não sejam servidos de parapeito (que possibilite o acto de debruçar), se vem entendendo nos Tribunais que podem ser erigidas até ao limite da propriedade, sem necessidade do afastamento de 1,5 metros.

Também por isso, as frestas, seteiras ou óculos para luz e ar, que não tenham dimensão superior a quinze centímetros em qualquer uma das suas dimensões, e que estejam situadas a pelo menos um metro e oitenta centímetros de altura, não estão sujeitas a tal restrição, posto que, pela sua natureza, não permitem o debruçar sobre o prédio vizinho.

Assim, embora em regra, o proprietário do prédio vizinho se possa opor à abertura de janelas ou portas que deitem directamente sobre o seu prédio sem deixar entre este e cada uma das obras o intervalo de metro e meio, tal como à edificação de varandas, terraços, eirados ou obras semelhantes, quando sejam servidos de parapeitos de altura inferior a metro e meio em toda a sua extensão ou parte dela, podendo exigir judicialmente a sua demolição ou modificação / harmonização de acordo com a Lei;

Também pode perder esse direito se nada fizer e/ou tolerar as obras durante um período de tempo tão longo (geralmente 15 ou 20 anos, conforme os casos) que possibilite ao proprietário do prédio vizinho ver declarada a constituição de uma servidão de vistas por usucapião.

O benefício concedido por tal servidão de vistas traduz-se, essencialmente, na possibilidade de o proprietário do prédio dominante manter inalteradas as obras irregulares.

Pelo que, aqui chegados, podemos com segurança afirmar que a servidão de vistas traduz o direito em manter no prédio dominante, em prejuízo do prédio serviente, as obras irregulares executadas em violação do disposto no art.º 1360.º do Código Civil.

Por fim, importa sublinhar que a servidão de vistas, tal como os demais direitos de servidão, tem por objecto os imóveis, razão pela qual subsiste ainda que mudem os respectivos proprietários.

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