Conheça a Responsabilidade de Gerentes e Administradores pelas Multas da Sociedade

A questão que se impõe é: Será que o pagamento da coima e da multa imputadas à sociedade poderá ser exigida ao gerente/administrador, nas situações em que são devidas pela sociedade por atos ou omissões atribuíveis aos administradores?

A título criminal, o n.º 3, do artigo 30.º da CRP consagra, desde logo, o designado princípio da intransmissibilidade das penas, corolário do princípio da necessidade, o qual proíbe a transmissão da responsabilidade penal, ou seja, o agente apenas pode ser responsabilizado criminalmente pela prática de facto próprio e não pela prática de facto alheio.

Diferentemente, a coima não consubstancia uma consequência jurídica da prática de um crime, mas sim de uma contra-ordenação.

Resulta do artigo 1.º do regime jurídico do ilícito de mera ordenação social, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro que uma contra-ordenação constitui um facto ilícito, censurável que preenche um tipo legal no qual se condene com uma coima.

Ora, muitos problemas se têm levantado relativamente à responsabilidade dos administradores no pagamento das coimas e multas imputáveis à sociedade, designadamente, por causa dos princípios da intransmissibilidade das penas, da presunção de inocência e do princípio da audição e defesa.

Sucede, porém, que os gerentes/administradores podem, no exercício das suas funções de gestão, causar danos à sociedade, a terceiros e a credores sociais na sequência da preterição dos deveres legais ou contratuais a que estão adstritos. Como tal, e o que ao caso importa, a responsabilidade dos administradores verifica-se para com os credores sociais, nos termos do artigo 78.º do CSC.

Ora, relativamente às dívidas da sociedade, a regra é a de que por essas dívidas apenas responde o capital social da sociedade e não o património dos seus administradores.

Deste modo, o gerente/administrador apenas poderá ser responsabilizado por tais dívidas, ou por quaisquer danos causados pelos seus atos no exercício de funções de administração, quando exista por parte deste a preterição de normas legais ou estatutárias. Assim, apenas nessas situações é que o património dos administradores pode ser chamado para pagamento das dívidas da sociedade, consubstanciando tal facto a exceção.

O n.º 9 do artigo 11.º do CP consagra a responsabilidade subsidiária dos administradores pelo pagamento das multas imputáveis à sociedade, dispondo que:

“Sem prejuízo do direito de regresso, as pessoas que ocupem uma posição de liderança são subsidiariamente responsáveis pelo pagamento das multas e indemnizações em que a pessoa colectiva ou entidade equiparada for condenada, relativamente aos crimes:

a) Praticados no período de exercício do seu cargo, sem a sua oposição expressa;

b) Praticados anteriormente, quando tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou entidade equiparada se tornou insuficiente para o respectivo pagamento; ou

c) Praticados anteriormente, quando a decisão definitiva de as aplicar tiver sido notificada durante o período de exercício do seu cargo e lhes seja imputável a falta de pagamento”.

Como se pode constatar pela leitura do mencionado artigo, nestes casos existe uma subsidiariedade no pagamento da multa imputável à sociedade, ou seja, há uma responsabilidade pelo pagamento da multa por facto próprio e por culpa do gerente/administrador. Com efeito, no exercício das suas funções o administrador atuou de forma culposa, como resulta da alínea a), b) e c) do n.º 9 do artigo 11.º do CP, pelo que o mesmo é responsável porque:

  • O crime foi praticado no período de exercício do seu cargo de administração, sem a sua oposição expressa;
  • Foi por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente para o pagamento da multa; e ainda
  • Quando a decisão definitiva de aplicar as multas tiver sido notificada durante o período de exercício do cargo de administração e lhe seja imputável a falta de pagamento da multa.

Em face do teor deste normativo entendemos estar perante um regime que apresenta algumas semelhanças ao da responsabilidade civil prevista no artigo 78.º do CSC. Conforme se constata ambos os normativos têm, nomeadamente, como pressuposto a insuficiência patrimonial da sociedade para satisfação dos respetivos créditos.

Posto isto, incumbe analisar as seguintes questões: aplicada uma coima ou uma multa a uma sociedade, poderão as mesmas ser exigidas aos administradores quando estas sejam devidas pela sociedade por atos ou omissões daqueles? Em que circunstâncias? Poderão os credores, enquanto entidades aplicadoras das coimas e das multas, recorrer ao mecanismo do artigo 78.º do CSC?

Importa explicar que o pagamento da coima e da multa por parte dos administradores não deve ser encarado como o pagamento das consequências jurídicas pela prática de um crime ou de uma contraordenação. Os gerente/administradores não são responsáveis pelo pagamento da multa ou da coima porque praticaram aquele facto criminoso censurável que preencha um tipo legal no qual se condene com uma coima ou multa.

Ao contrário, os gerentes/administradores são responsáveis pelo pagamento da multa ou da coima não porque praticaram o crime ou contraordenação da qual resultou aplicação daquelas consequências, mas tão só porque no exercício das suas funções de administração violaram disposições legais ou contratuais destinadas à proteção dos credores sociais (a entidade que aplicou por exemplo a coima) e, consequentemente o património da sociedade tornou-se insuficiente para satisfazer o pagamento da coima ou multa imputável à sociedade.

Por conseguinte, na falta de normas que consagrem expressamente regimes de responsabilidade civil dos administradores pelo pagamento de coimas e multas imputáveis à sociedade, deverá recorrer-se ao mecanismo previsto no artigo 78.º do CSC. Tal mecanismo assume-se como o regime regra, para que os administradores sejam responsabilizados pelo pagamento das coimas e multas imputáveis à sociedade, desde que se verifiquem todos os pressupostos impostos para a aplicação daquele.

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