A Contratação Electrónica: Desafios e Regime

i.

O comércio electrónico, caracterizado pela inexistência de um contacto físico entre as partes contratantes, apresenta relevantes desvios à contratação tradicional.

Contrariamente ao que sucede no comércio tradicional, em que existe um contacto directo entre o consumidor e o vendedor ou prestador de serviços, a contratação electrónica é marcada pela abstracção e desmaterialização, que colocam desafios na determinação da identidade das partes, na capacidade e competência jurídica para a realização do negócio, na forma de provar que o contrato foi celebrado e em que termos, na fixação da lei e da jurisdição aplicáveis ao contrato, entre outros.

Em virtude de as transacções electrónicas terem frequentemente natureza transfronteiriça, a regulamentação do comércio electrónico complexifica-se, tornando difícil determinar o local do estabelecimento efectivo do vendedor ou do prestador de serviços e, dessa forma, saber qual a legislação aplicável ao contrato.

O Decreto-Lei n.º 7/2004, de 07 de Janeiro, transpôs para o ordenamento jurídico português a Diretiva sobre Comércio Eletrónico e a Diretiva sobre Contratos à Distância.

Dimanam deste diploma alguns princípios basilares:

1-) A consagração do princípio geral da liberdade de celebração de contratos por via electrónica;

2-) A equiparação, sempre que possível, dos contratos electrónicos aos contratos tradicionais em suporte papel.

No mesmo sentido, o Decreto-lei n.º 12/2021, de 09 de Fevereiro, que substituiu o Decreto-Lei n.º 290-D/99, consagra no nosso ordenamento jurídico, um quadro legal para as assinaturas electrónicas, equiparando as declarações transmitidas pelas vias tradicionais às declarações transmitidas por meios electrónicos.

Mas, se não existe um contacto directo entre o utilizador e o vendedor ou prestador de serviços, como é que se definem os termos do contrato?

Como forma de suprir esta dificuldade, a contratação electrónica é pautada pela inserção de cláusulas contratuais gerais nos enunciados que são apresentados ao utilizador em websites de comércio electrónico.

O desenvolvimento e crescimento exponencial das soluções tecnológicas, associado à insaciável necessidade das empresas celebrarem um grande número de contratos, fomentou o crescimento das plataformas de negociação electrónica (lojas virtuais) onde, regra geral, não há qualquer possibilidade de negociar os termos do contrato de forma livre e individual. Isto é, os contratos celebrados por via electrónica são essencialmente contratos de adesão. Ou utilizando uma expressão mais universal: os “terms of service agreements” e os “click wrap agreements” são as formas mais comuns de contratar na Internet.

Na prática, o utilizador submete-se aos termos de um contrato através de um “click” num botão virtual de aceitação, sem que necessariamente se aperceba desse facto.

São também cada vez mais comuns os contrato electrónicos celebrados sem intervenção humana, em que quer o utilizador, quer o prestador de serviços, são computadores ou “inteligências artificiais”.

 

ii.

No nosso ordenamento jurídico, entende-se por “serviço da sociedade da informação” qualquer serviço prestado à distância por via electrónica, mediante remuneração ou pelo menos no âmbito de uma actividade económica na sequência de pedido individual do destinatário.

A actividade de prestador de serviços da sociedade da informação não depende de autorização prévia.

Os prestadores de serviços da sociedade da informação estabelecidos em Portugal ficam integralmente sujeitos à lei portuguesa relativa à actividade que exercem, mesmo no que concerne a serviços da sociedade da informação prestados noutro país comunitário.

É livre a celebração de contratos por via electrónica, sem que a validade ou eficácia destes seja prejudicada pela utilização deste meio.

As declarações emitidas por via electrónica satisfazem a existência legal de forma escrita quando contidas em suporte que ofereça as mesmas garantias de fidedignidade, inteligibilidade e conservação.

No entanto, o prestador de serviços em rede que celebre contratos em linha deve facultar aos destinatários, antes de ser dada a ordem de encomenda, informação mínima inequívoca, de onde destacamos o processo de celebração do contrato, os meios electrónicos que o prestador disponibiliza para poderem ser identificados e corrigidos erros de introdução que possam estar contidos na ordem de encomenda, os termos contratuais e as cláusulas gerais do contrato a celebrar, entre outros.

Logo que receba uma ordem de encomenda por via exclusivamente electrónica, o prestador de serviços deve acusar a recepção igualmente por meios electrónicos.

O negócio torna-se definitivo com a confirmação do destinatário, dada na sequência do aviso de recepção, reiterando a ordem emitida. Isto é, o mero aviso de recepção da ordem de encomenda não tem significado para a determinação do momento da conclusão do contrato.

Saliente-se que os termos contratuais e as cláusulas gerais, bem como o aviso de recepção, devem ser sempre comunicados de maneira que permita ao destinatário armazena-los e reproduzi-los.

Na prática, o contrato torna-se definitivo quando o destinatário “reitera a ordem emitida” o que, na prática e na maior parte dos casos, corresponde ao momento do pagamento do preço pelo destinatário.

iii.

Em conclusão, é possível antever os diversos desafios e problemáticas associadas à contratação electrónica quando alguma coisa não corre bem.

Por exemplo, quando a plataforma electrónica refere que o bem existe em stock e vem-se a verificar que não, quando o preço anunciado padece de lapso, quando as imagens do bem não correspondem ao que foi entregue, quando o bem não é enviado ou não chega ao destinatário no prazo indicado, quando é danificado durante o transporte, quando não tem as qualidades e características que são apresentadas no site, quando apresenta defeito ou avaria durante o período de garantia legal, entre outros.

Os “termos de utilização” a que o utilizador se submeteu poderão prever a solução para algumas daquelas questões, porém, poderá suceder que o faça em desrespeito por normas legais imperativas.

Outrossim, a contratação celebrada exclusivamente por meio de computadores, sem intervenção humana, coloca relevantes desafios ao nível dos vícios determinante da “vontade”, como o erro na formação da vontade (se houver erro de programação), na declaração (se houver defeito de funcionamento da máquina ou da “inteligência artificial”) e na transmissão (se a mensagem chegar deformada ao destinatário).

Como sempre, num mundo em constante transformação, inclusive quanto às formas de contratar, a CCM Advogados está preparada para prestar o necessário aconselhamento jurídico, tanto aos utilizadores como aos prestadores de serviços da sociedade da informação, tanto mais que a actividade de contratação electrónica, apesar de livre, é regulada pela ICP – Autoridade Nacional de Comunicações (ICP – ANACOM) e as coimas são particularmente elevadas, com o claro intuito de dissuadir os infractores.

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