Qual o Futuro do Alojamento Local em Face do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22/03/2022

O Alojamento Local tem ganho importância nos últimos anos quer ao nível económico quer ao nível social, gerando uma serie de questões jurídicas que têm vindo a ser discutidas.

A questão que o Supremo Tribunal de Justiça procurou dar resposta, ao proferir o Acórdão de uniformização de jurisprudência, de 22/03/2022 foi: se uma fração autónoma explorada para alojamento local viola ou não o título constitutivo da propriedade horizontal por a fração se destinar a habitação.

 

No Acórdão recorrido era defendido que o Alojamento Local é uma atividade que reveste uma natureza comercial e que o conceito de habitação é distinto do conceito de utilização da mesma como Alojamento Local.

Já o Acórdão fundamento defende que o Alojamento Local não é um ato de comércio e que mesmo que assim se considerasse, a cedência onerosa da fração destina-se a habitação e não à própria atividade comercial.

O Acórdão Uniformizador de jurisprudência decidiu que: No regime da propriedade horizontal, a indicação no título constitutivo, de que certa fração se destina a habitação, deve ser interpretada no sentido de nela não ser permitida a realização de alojamento local.”

 

O Supremo Tribunal de Justiça acompanhou os argumentos do acórdão recorrido:

1 – A nova versão dada ao regime do Alojamento Local pela Lei n.º 62/2018, não introduz alterações no regime civilista da propriedade horizontal, envolvendo uma opção legal de âmbito administrativo no sentido de se prescindir do contro administrativo sobre o fim ou destino ou sobre as proibições de uso da fração constantes do título constitutivo da propriedade horizontal ou de deliberações levada a registo.

2 – Do novo regime do Alojamento Local não consta qualquer disposição que revele intenção de derrogar o estatuto condominial inserido no CC.

3 – A alteração legal ao regime do Alojamento Local, operada pela Lei n.º 62/20018, de 22 de Agosto, permitindo à Assembleia de Condóminos adotar deliberações em que se opõe ao exercício da atividade de Alojamento Local em frações autónomas, em determinadas situações, é uma medida de reação para um Alojamento Local que não respeita o normal funcionamento de um condomínio, distinta da permissão para o exercício de tal atividade a partir de uma “autorização para habitação” da fração autónoma.

4 – Aquele meio constitui uma tutela administrativa que, além de apresentar uma frágil garantia do exercício dos direitos condominiais, nem tão pouco contempla a tutela de cada condómino nos casos em que ocorra uso da fração autónoma diversa do destino que lhe é dado pelo estatuto condominial, nem das hipóteses de violação de proibições condominiais de atos ou atividades.

5 – Nas situações dos autos o regime do alojamento local, não contém nenhuma disposição que contemple a proteção dos direitos dos condóminos perante a instalação de estabelecimentos de alojamento local em fração autónoma destinada a habitação por parte de outro condómino, nem uma disposição derrogatória da tutela desses direitos, prevista no Código Civil.

6 – A par do regime do Alojamento Local, a qualquer condómino de fração autónoma de prédio em regime de propriedade horizontal assistem os meios de tutela previstos no âmbito deste regime consagrado no Código Civil para reagir contra a violação das limitações ao exercício do direito de outro condómino, assim como assiste a tutela geral da propriedade, contante do mesmo diploma.

7 – A tais domínios de tutela não obsta o facto de ter sido viabilizado, por via administrativa, o registo e instalação de estabelecimento de Alojamento Local nos termos do respetivo regime.

8 – Sob o ponto de vista da destinação da coisa e da respetiva envolvência socioeconómica condominial, uma vivência habitacional é essencialmente diversa da sua utilização em alojamento de terceiros em Alojamento Local.

9 – A afetação de uma fração destinada a habitação a Alojamento Local pode ou não implicar o exercício de atividade comercial, mas isso não afasta a sua natureza de afetação distinta da habitação constante do título constitutivo da propriedade horizontal.

10 – Os motivos que conduziram o legislador a autonomizar a figura do Alojamento Local são específicos e não conduzem a que o Alojamento Local se possa identificar um arrendamento de curta duração, nos termos desta figura.

11 – As utilidades proporcionadas pelo explorador do Alojamento Local ao utente alojado, através do uso do prédio ou fração dele, embora requeiram as necessárias condições de habitabilidade, não se consubstanciam numa prestação de gozo habitacional, por natureza com um grau de permanência e estabilidade que não se verificam nos caos de Alojamento Local.

12 – A exploração de estabelecimentos de Alojamento Local é legalmente definida como correspondendo ao exercício, por pessoa singular ou coletiva, de atividade de prestação de serviços de alojamento.

13 – Para efeitos tributários o Alojamento Local não é tratado como habitação.

14 – O uso de frações autónomas em hospedagem no âmbito do contrato de arrendamento, em arrendamentos sazonais de curta duração em áreas de veraneio ou “alojamento” de estudantes em determinados núcleos urbanos universitários inserem-se noutro contexto económico-social, distinto do Alojamento Local, não justificando necessariamente a mesma solução jurídica.

15 – A solução preconizada é harmoniosa com a Constituição da República Portuguesa, que reconhece a propriedade privada, mas não a absolutiza em termos de impedir que o legislador ordinário limite os direitos de propriedade singular sobre as frações autónomas.

16 – O paralelismo que se possa fazer com outras atividades permitidas pelo legislador, não determina que a solução preconizada se posso sobrepor ao estatuto condominial, sem alteração jurídica do mesmo.

 

Numa primeira linha, é importante salientar que a decisão proferida apenas vincula as partes no processo em que foi proferido.

No entanto, esta decisão terá alguns efeitos no futuro, em primeiro lugar apesar de não vincular os demais Tribunais, necessariamente influenciará as decisões destes a proferir no âmbito de situações semelhantes. Uma outra consequência será o aumento da litigância, uma vez que os condóminos ao perceberem que estão numa situação semelhante à do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça irão naturalmente intentar ação no sentido de ver declarada a ilegalidade do Alojamento Local.

Uma vez que esta decisão pode vir a afetar um conjunto alargado de Alojamentos Locais, existe a possibilidade de esta questão jurídica vir a ser objeto de alteração legislativa.

A CCM Advogados está atenta ao desenvolvimento desta temática e está preparada para auxiliar os seus clientes na resolução das questões jurídicas relacionadas com o Alojamento Local.

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