O Direito Real de Habitação

Sabia que, em caso de morte de um cônjuge ou membro da união de facto proprietário da casa de morada da família e do respectivo recheio, o cônjuge ou membro sobrevivo pode permanecer na casa, pelo prazo mínimo de cinco anos, como titular de um direito real de habitação e de um direito de uso do recheio?

É o que se chama “direito real de habitação”.

A habitação é um direito fundamental constitucionalmente consagrado, a base de uma sociedade estável e coesa e o alicerce a partir do qual os cidadãos constroem as condições que lhes permitem aceder a outros direitos como a educação, a saúde ou o emprego.

O “direito real de habitação” consiste na faculdade de se servir de casa de morada alheia e de haver os respectivos frutos, na medida das necessidades do titular e da sua família.

Não confundir o “direito real de habitação”, com o direito real de habitação periódica, internacionalmente conhecido como “time sharing”, o qual consiste num regime de propriedade fraccionada por quotas partes temporais. Este encontra-se regulado por legislação especial e que não está limitado pelas referidas “necessidades do titular e da sua família”, mas apenas por “quotas partes temporais”.

O direito de habitação, sobre o qual nos debruçamos neste artigo, confere ao seu titular (designado como “morador usuário”) o gozo de certa coisa alheia (uma casa de morada) na medida das suas necessidades e da respectiva família. Ou seja, o conteúdo do direito de habitação é delimitado pelas necessidades pessoais do titular e da sua família que a atribuição do gozo da coisa alheia visa satisfazer.

Isto justifica, por exemplo, que o morador usuário não possa trespassar ou locar o seu direito, nem onerá-lo por qualquer modo.

No entanto, o direito real de habitação assemelha-se, nas faculdades que atribui ao seu titular, ao usufruto, já que atribui ao seu titular o direito de se servir de coisa alheia e haver os respectivos frutos.

Por isso, se o usuário consumir todos os frutos do prédio ou ocupar todo o edifício, fica a seu cargo as reparações ordinárias, as despesas de administração e os impostos e encargos anuais, como se fosse usufrutuário. Se só perceber parte dos frutos ou ocupar só parte do prédio, contribuirá para as referidas despesas na proporção da sua fruição.

Sendo um direito real, a aquisição do direito de habitação está sujeita a registo predial, sob pena de ineficácia quanto a terceiros. Por isso, na falta de registo, o direito real de habitação e de uso do recheio será inoponível a terceiros que beneficiem de direito incompatível anteriormente registado sobre o imóvel.

O “direito de habitação” constitui-se por contrato, testamento ou disposição da lei, sendo regulado pelo seu título constitutivo ou, na falta ou insuficiência deste, pelo disposto nos artigos 1486.º e ss. do Código Civil e, ainda, pelas disposições que regulam o usufruto, quando conformes com a natureza daquele direito.

A constituição do direito real de habitação é mais habitual do que possa pensar. Por exemplo, o direito constituído por acordo feito no processo de divórcio por mútuo consentimento entre ex-cônjuges, que tem por objecto a utilização da casa de morada de família, destinando à habitação de um deles e tendo em conta (e por medida) as suas necessidades e da sua família ao tempo em que o divórcio foi decretado, é um verdadeiro e próprio direito real de habitação.

No caso de contrato, por regra, a constituição desse direito real de gozo deve observar a forma de escritura pública ou documento particular autenticado, conforme o negócio jurídico constitutivo desse direito seja oneroso ou gratuito.

No caso de testamento, o mesmo dever ser celebrado por escritura pública ou cumprir as regras de forma do testamento cerrado.

Mas também por determinação da Lei se constitui este direito. Por exemplo, em caso de morte do membro da união de facto proprietário da casa de morada da família e do respectivo recheio, o membro sobrevivo pode permanecer na casa, pelo prazo mínimo de cinco anos, como titular de um direito real de habitação e de um direito de uso do recheio, salvo se o membro sobrevivo tiver casa própria na área do respectivo concelho da casa de morada da família, incluindo-se, no caso das áreas dos concelhos de Lisboa ou do Porto, os concelhos limítrofes.

O direito real de habitação não pode, contudo, ser constituído por usucapião. Ou seja, o simples facto de se morar numa casa e fazer dela sua habitação não permite a constituição de um “direito de uso e habitação” no sentido da existência de um direito real de gozo oponível “erga omnes”.

Apesar de haver mais matéria referente a esta figura jurídica “direito real de habitação”, por aqui ficamos e, brevemente, regressaremos ao tema.

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