O Direito do Proprietário Explorar Águas Subterrâneas no seu Prédio
A sociedade em que vivemos, em que as novas gerações crescem habituadas a uma “aparente abundância” dos recursos hídricos, não parece dar muita relevância ao estudo do “direito das águas”. Este aparente “desinteresse” ou “menosprezo” resvala algumas vezes para os Tribunais, onde os litígios sobre as questões de “águas” vêm sendo tratados com relativo desdém, como se de problemas menores se tratasse.
Mas, ao contrário do que se possa pensar, a água (potável ou de rega) é um recurso extremamente escasso! Apesar de a água ocupar cerca de 71% da superfície do nosso planeta, 97% dessa água é salgada. E dos 3% de água doce existentes, menos de 1% é água doce acessível em rios, lagos ou aquíferos.
Como também é facto notório, grande parte do território nacional atravessa um período de seca severa ou extrema. Está bom de ver, atenta a escassez da água e o período de seca que o país atravessa, que a sua utilização motiva os mais diversos litígios, que devem ser tratados com a importância que merecem. Afinal de contas, na água está a origem da vida e, a par com o oxigénio, será porventura o mais importante de todos os recursos.
Considerada na Lei como “coisa”, a água é objecto de relações jurídica e, por isso, susceptível de constituir conteúdo dos direitos de propriedade, servidão e uso.
Neste artigo, abordaremos apenas o direito do proprietário explorar águas subterrâneas no seu prédio.
É reconhecido ao proprietário do solo o direito de proceder livremente à captação de águas subterrâneas, qualificadas pela Lei como coisas imóveis (art.os 1305.º, 1344.º, n.º 1, 1386.º, n.º 1, al. b), e 204.º, n.º 1, al. b), todos do Código Civil).
Consagra o art.º 1394.º, n.º 2, do Código Civil o princípio geral de livre exploração de águas subterrâneas ao estabelecer que a diminuição do caudal de qualquer água pública ou particular, em consequência da exploração de água subterrânea, não viola os direitos de terceiro, “excepto se a captação se fizer por meio de infiltrações provocadas não naturais”.
Há que distinguir, face á letra da lei, as duas espécies de infiltrações de águas no solo a ter em conta:
- As naturais, que dão lugar à formação de bolsas e veios;
- As artificiais, devidas à acção do homem, para efeito de escoamento ou desvio de corrente ou veio subterrâneo para prédio vizinho.
A limitação do direito, poder ou faculdade do proprietário regulado no art.º 1394.º só respeita a estas últimas (águas artificiais).
Ou seja, o dono do prédio onde existam águas subterrânea naturais, que dão lugar à formação de bolsas e veios, pode livremente aproveitá-las e explorá-las, mas não pode, por meio de infiltrações provocadas e não naturais, desviar ou captar águas que atravessam prédios vizinhos.
A par desta limitação do Código Civil, também o Regime da Utilização dos Recursos Hídricos (DL 226-A/2007, de 31 de Maio), que é uma norma especial em relação àquele Código, vem impor como requisito para a execução de novas captações de águas subterrâneas a observação de um afastamento mínimo de 100m entre as captações de diferentes utilizadores de uma mesma massa de água subterrânea, podendo, quando tecnicamente fundamentado, a ARH definir um limite diferente.
Mas esta limitação só se verifica relativamente a novos “poços” ou novos “furos artesianos”, não prejudicando as captações pré-existentes ou aquelas que já existam há tanto tempo que tenham conduzido à consolidação ou aquisição de direitos reais sobre as mesmas (de propriedade, de servidão e/ou de uso).
Sobre o tema, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (que consideramos mais pertinente) vem apontando que a limitação do proprietário explorar águas subterrâneas no seu prédio só existe em relação às águas artificiais, i.e., as que, devido à intervenção do homem, foram artificialmente infiltradas no prédio por desvio de alguma corrente, nascente ou veio subterrâneo de prédio vizinho, por envolverem utilização e fruição indevida de elementos do solo que se situam para além dos materialmente incluídos no prédio.
Desta forma, vem-se entendendo que a abertura de um poço ou furo que provoque diminuição de caudal na captação de outro proprietário, não implica captação “por meio de infiltrações provocadas não naturais” quando aquela diminuição se verificar indirectamente por desvio dos meios naturais que o alimentam.
Não há, pois, violação dos direitos de terceiro no caso de diminuição de caudal em razão de captação, se esta apenas abranger as águas dos veios que naturalmente atravessam o prédio e as que nele se infiltrarem naturalmente.
Mas ocorre a violação de direitos de terceiro se a referida captação abranger as águas artificialmente infiltradas por desvio de corrente, nascente ou veio subterrâneo existente em prédio vizinho, porque é proibida ao dono do prédio a fruição de elementos que se situem para além dos limites objectivos do seu direito de propriedade.
Assim e em jeito de conclusão, o dono do prédio onde existam águas subterrânea naturais, que dão lugar à formação de bolsas e veios, pode livremente aproveitá-las e explorá-las, mas não pode, por meio de infiltrações provocadas e não naturais, desviar ou captar águas que atravessam prédios vizinhos.
Também em relação a novas captações (poços ou furos), e em regra, não pode o proprietário executá-las sem que observe um afastamento mínimo de 100m relativamente a outras captações de diferentes utilizadores de uma mesma massa de água subterrânea.
E como sempre, a CCM Advogados está preparada para aconselhar e defender os interesses dos seus clientes nesta tão importante matéria.