O Direito de Preferência do Arrendatário

A nossa Constituição consagra o direito à propriedade privada, no sentido em que a todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte. Trata-se de um direito garantido no quadro dos direitos económicos.

Porém, a mesma Constituição consagra, entre outros, o direito à iniciativa privada, o direito ao trabalho, o direito à habitação, entre outros, que por vezes podem ser conflituantes com o direito à propriedade privada, demandando uma concordância prática dos vários valores e interesses sociais e económicos coenvolvidos. Concretamente, considerando que o adquirente pode ter outro plano que não o de destinar o imóvel ao arrendamento, a venda ou dação em cumprimento de imóvel arrendado é susceptível de colocar em causa o direito à iniciativa privada da pessoa (singular ou colectiva) que nele exerce um negócio (dessa forma também colocando em causa os postos de trabalhos), o direito à habitação das pessoas que nele habitam ou, ainda, a subsistência do agricultor arrendatário rural.

Como forma de conjugar estes direitos fundamentais, o legislador ordinário consagrou o direito de preferência do arrendatário na compra e venda ou dação em cumprimento de prédios arrendados.

Actualmente, vigorando o arrendamento há mais de 2 anos (no caso do arrendamento urbano) ou 3 anos (no caso do arrendamento rural), assiste ao arrendatário o direito de preferirem na transmissão do arrendado por venda ou dação em cumprimento.

Parece simples, porém, na verdade, estamos perante instituto de direito pejado de complexidade, especialmente no arrendamento urbano, mercê das constantes alterações introduzidas pelo legislador, sendo a última da Lei n.º 64/2018, de 29/10.

Querendo o senhorio vender ou dar em cumprimento de uma obrigação um prédio arrendado, é obrigado a previamente comunicar ao inquilino o projecto de venda e as cláusulas respectivas. Os elementos essenciais a comunicar ao titular do direito de preferência, devem abranger todos os factores do negócio capazes de influir decisivamente na formação da vontade de preferir ou não, designadamente, o preço, condições do seu pagamento e pessoa do adquirente.

O arrendatário tem depois o prazo de 30 dias para responder, sob pena de caducidade do seu direito.

Particularmente complexa e, de certa forma, polémica, é a questão do exercício de direito de preferência de arrendatário de parte de prédio não sujeito ao regime da propriedade horizontal na venda ou dação em cumprimento da totalidade do prédio.

Na vigência do RAU (DL n.º 321-B/90, de 15/10), seguindo um entendimento sedimentado com origem na Lei n.º 63/77, de 25/08, a doutrina e a jurisprudência maioritárias sufragaram o entendimento de que o arrendatário de parte indivisa tinha direito de preferência na venda da totalidade do prédio urbano.

No entanto, com a aprovação do NRAU (Lei n.º 6/2006, de 27/02), passou a considerar-se que o legislador quis colocar um “ponto final” na querela e, de uma vez por todas, adoptar uma tese mais restritiva, impedindo o exercício da preferência pelos arrendatários de uma parte indivisa de um prédio, quer em relação à parte que ocupam, quer em relação à totalidade do prédio.

Porém, uma vez mais, o legislador veio alterar o art.º 1091.º do Código Civil através da Lei n.º 64/2018, de 29/10, dispondo que “No caso de contrato de arrendamento para fins habitacionais relativo a parte de prédio não constituído em propriedade horizontal, o arrendatário tem direito de preferência nos mesmos termos previstos para o arrendatário de fracção autónoma” (…) “com afectação do uso exclusivo da quota-parte do prédio a que corresponde o locado”.

Assim, actualmente, o arrendatário habitacional pode exercer aquele direito nos seguintes termos:

  • O direito é relativo à quota-parte do prédio correspondente à permilagem do local pelo valor proporcional dessa quota-parte face ao valor total da transmissão;
  • A aquisição pelo preferente é efectuada com afectação do uso exclusivo da quota-parte do prédio a que corresponde o local.

E isto é assim porque, formalmente, a quota-parte do prédio que é objecto do contrato de arrendamento continua a não ter autonomia jurídica.

Por seu turno, este direito continua a não ser conferido ao arrendatário não habitacional (comércio, serviços, indústria, armazenagem, etc.), salvo se no prédio existirem vários arrendatários e todos optarem por exercer o direito de preferência em conjunto, adquirindo, na proporção, a totalidade do imóvel em compropriedade.

Uma nota final para deixar o alerta a todos os senhorios que estão a pensar ou a projectar vender ou dar em cumprimento de uma obrigação um imóvel arrendado: se incumprirem o dever de comunicação ao arrendatário, podem estar sujeitos a uma acção judicial por parte do arrendatário e, ainda, a causar grave prejuízo ao adquirente que igualmente poderá exigir a respectiva reparação.

Por isso, em matéria de direito de preferência, é indispensável consultar um advogado e seguir todas as suas recomendações, para que possam realizar os vossos interesses com total tranquilidade e sem riscos.

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