Litigar em Tempo de Pandemia

A palavra litigar, já em si, aparenta ser, e é, palavra difícil, que nos leva para o campo do confronto, do litígio, da incerteza e do insucesso.

E se esse conceito, que nós podemos ir beber ao dicionário, onde nos aparece, como sinónimos, brigar, competir, disputar, pleitear, rivalizar, também, no que se refere ao direito, logo nos empurra para os Tribunais, onde o litígio é mais esperado e os casos mais se debatem.

No tempo da “Pandemia”, em que parece ter diminuído a litigância, mesmo nos Tribunais, apesar das suspensões, interrupções e adiamentos, ocasionadas pelas Leis 1-A/2020, de 19 de Março e 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, na realidade não diminuiu, embora sem termos aqueles palcos para esgrimir e estarmos confinados aos espaços reservados dos escritórios, das instalações dos clientes e das partes contrárias.

No entanto, no recato dos nossos escritórios e das instalações dos clientes, os litígios estiveram latentes e acesos, não havendo ambiente para os dirimir com paciência, ciência e entrega, pois o ambiente de confinamento não ajudou os intervenientes a terem mais clarividência,  serem mais cordatos e procurarem, no geral, a solução longe da disputa litigiosa dos Tribunais.

Por isso, contrariamente ao que se supunha, não foram resolvidos mais casos naqueles locais, do que em período normal, e até nos atrevemos a dizer que foram menos.

Pelas razões avançadas e, sobretudo, por uma outra, as comunicações à distância, que, apesar de ter sido a bandeira do período, não ajudaram a solucionar as questões.

Por isso, aqueles que previram e proclamaram, quais arautos da verdade, que ocorreriam alterações substanciais, ou até radicais à forma de resolução de litígios, de fazer negócios, inovar e empreender, estavam enganados e contribuíram para laborar em erro quem os seguiu.

Nada melhor que um encontro presencial, com as pessoas intervenientes face to face, olhos nos olhos, com as suas empatias e antipatias, as suas palavras sábias, argutas, ou mesmo toscas, que  permitem dialogar, subir e descer e então fechar o acordo e selar o litígio.

E se esse facto  importantes, diremos, até fundamental, na resolução de litígios naquelas circunstâncias, então nos Tribunais nem se discute.

Tanto é assim, que a maior parte, ou quase todos os julgamentos foram adiados pelas partes, quando convidadas a realizá-los à distância, e as aludidas Leis vieram exactamente dispor nesse sentido.

Quem anda pelos Tribunais, como é o nosso caso, há dezenas de anos, bem sabe que o contacto pessoal das partes, dos advogados, de todos os intervenientes e, no cimo da pirâmide, os Juízes, quando têm formação e estão preparados para mediar, como devem estar, e infelizmente constatamos que muitas vezes não estão, é essencial para dirimir os litígios, não empurrando o “caso”, que por norma é difícil, para a incerteza, a sorte e o azar do julgamento.

Por isso, podemos dizer que litigar em tempo de pandemia não foi bom, e só não foi pior, por o nosso legislador, e o bom senso dos intervenientes, sobretudo juízes e advogados, em adiar e suspender os julgamentos, para que possam ser feitos com todos os requisitos e condições, com a presença física de todos os intervenientes.

Como agora passamos do estado de emergência ao estado de calamidade e já se trabalha nos Tribunais com vista à resolução dos litígios, esperamos que haja bom senso, colaboração e sensatez, para que os litígios possam ser resolvidos, seguindo aquela máxima que muitas vezes nós advogados ouvimos e dizemos “mais vale um mau acordo, que uma grande demanda”.

E como as coisas estão lá para os lados dos Tribunais…, hoje, como ontem, aquela afirmação sábia tem cabimento.

Mas com acordo, ou sem acordo, estivemos na pandemia a litigar, e iremos continuar, pois nos prende, anima e entusiasma a defesa dos direitos, liberdades e garantias dos nossos clientes.