Desempenhar Funções nas IPSS Comporta Riscos Acrescidos de Responsabilização Criminal?

Muito se escreveu, e sobretudo se pensou e refletiu, sobre a saga, durante anos, de se ver os Presidentes e diretores das IPSS investigados, acusados, e alguns condenados como se fossem órgãos administrativos ou funcionários do Estado.

Em resumo, foram equiparados, na jurisprudência que se impôs durante algum tempo, a agentes e funcionários do Estado, pelo simples facto de terem de administrar subsídios ou comparticipações do Estado, para cumprirem a solidariedade social, com idosos, incapazes ou crianças, que deveria caber ao Estado, na sua totalidade.

Desta conceção ideológica e doutrinária, que passou a jurisprudência, resultou a condenação de várias pessoas, como se fossem agentes ou funcionários do Estado, sendo que muitos, ou a maior parte, nomeadamente sacerdotes ou beneméritos voluntários, atuaram “pro bono” nas referidas IPSS, e os funcionários diretores de serviços não recebiam do Estado, nem auferiam o que equivalentes serviços auferemno Estado.

E fala-se em Estado, em sentido amplo, nele integrando os “organismos de utilidade pública”, que são alimentados pelo Estado.

Neste particular, as IPSS não são, nem eram consideradas organismos de utilidade pública administrativa, para efeitos de o seu funcionamento ser suportado pelo Estado;

E que por isso, nasciam, cresciam e eram administradas e suportado a seu funcionamento, em termos privados de obtenção de recursos de funcionamento, dependentes de pagamentos, doações e de muito trabalho “pro bono”;

Mas eram equiparados a organismos de utilidade pública, para efeitos criminais, na gestão das participações do Estado ou subsídios do Estado;

Equiparação essa que acabou por “contaminar” todas as atividades das IPSS que recebiam algumas comparticipações do Estado;

Chegando, alguma doutrina e jurisprudência, a equiparar os Presiderntes e funcionários das IPSS a agentes e funcionários do Estado, para efeitos criminais.

O acórdão nº 3/2020, do STJ, publicado no DR de 18/05/2020, veio fixar a seguinte jurisprudência:

“O conceito de “organismo de utilidade pública” constante da parte final da atual redação da al. d), do nº 1 do artigo 386 do CP, não abarca as instituições particulares de solidariedade social, cujo estatuto consta hoje do DL nº 172-A/2014, alterado pela Lei 76/2015, de 28 de Julho”.

Isto quer dizer que os funcionários das IPSS não podem ser considerados funcionários “no desempenho de uma atividade compreendida na função pública administrativa ou jurisdicional”.

Por isso, com esta uniformização da jurisprudência, diminuíram em grande medida os riscos de os  titulares das administrações das IPSS, Presidentes, diretores e funcionários, serem acusados e julgados como se fossem funcionários públicos, ou sujeitos aos crimes típicos que exigem a qualidade de funcionários ou agentes do Estado.

Dizemos, porém, que tais riscos “diminuíram em grande medida”, mas não dizemos que acabaram ou se extinguiram.

Em primeiro lugar, porque este acórdão teve vários votos de vencido;

E, em caso de alteração da orientação jurisprudencial, não há impedimento para os factos serem julgados, mesmo que anteriores à nova orientação jurisprudencial.

Por fim, nada garante que o parlamento não mude a lei, sabendo-se que é doutrina dominante que “é o Estado que garante a proteção social”, mesmo sendo que boa parte dessa proteção é feita pelas IPSS, e muito para além dos subsídios do Estado.

Por tudo o que se passou, cautela é o melhor remédio.