COVID-19: O Orçamento de Estado para 2020 – O Orçamento que deixou de ser antes de ser

O Orçamento do Estado de 2020 (OE 2020) entrou em vigor esta quarta-feira (01/04/2020), mas o documento está virtualmente caducado, sendo que muitas das medidas fiscais previstas no Orçamento do Estado para 2020 (OE2020) já estão ultrapassadas pelo estado de emergência em que o país, entretanto, mergulhou por força da pandemia de Covid-19.

Os pressupostos para a economia são, agora, muito negativos em várias frentes. O OE 2020 foi elaborado tendo por base um cenário em que a economia crescia 1,9% neste ano, mas o ministro das Finanças já admitiu que a realidade se inverteu.

Vejamos, então, algumas das principais medidas e o seu real impacto actual:

IVA na eletricidade e no gás natural

Vejamos o caso do IVA na eletricidade – que tanto celeuma gerou no Parlamento durante a discussão do OE2020 e cuja taxa acabou por se manter nos 23% depois do chumbo da descida para 6% – dispondo o Governo de uma autorização legislativa, que inclui o gás natural, para baixar o imposto em determinados volumes de consumo.

Ora, num momento em que tantas famílias se encontram em confinamento a trabalhar a partir de casa e em que os consumos dos privados dispararão, o uso desta autorização legislativa e a concretização de taxas de IVA variáveis em função do consumo apresentar-se-ia como um inquestionável  apoio às famílias.

Por outro lado, representando a receita do IVA sobre a eletricidade e o gás natural várias centenas de milhões de euros, esta será uma daquelas medidas emblemáticas, na área fiscal, na opção a seguir pelo Governo no combate à crise: como uma medida de combate à crise, pelo lado da receita.

Alojamento local

O agravamento de 0,35 para 0,50 do coeficiente aplicado no apuramento do rendimento tributável do alojamento local (AL), para moradias ou apartamentos que estejam localizados em áreas de contenção, deixou de fazer sentido face ao forte impacto que a crise pandémica está a ter no sector do turismo. A manutenção de um coeficiente único de 0,35 reduziria a pressão para a redução de gastos, nomeadamente com recursos humanos.

O contexto em que esta medida foi inserida no OE2020 – redução da atividade de alojamento local em determinadas áreas das cidades especialmente impactadas pelo excesso de estabelecimentos –, assume agora uma consequência demasiado gravosa para quem viu a sua atividade reduzida a zero de forma tão repentina.

Dispositivos médicos

Outra alteração que devia ser repensada é a contribuição extraordinária sobre os fornecedores da indústria de dispositivos médicos do Serviço Nacional de Saúde (SNS), já que poderá ter como efeito um aumento dos preços a pagar pelo Estado; face à especial relevância que a área da saúde assume num cenário de pandemia, não é concebível que se avance com uma qualquer medida suscetível de fragilizar o sistema.

Prazos para recuperar IVA nos créditos incobráveis

A diminuição para metade de vários prazos para se efetuar a recuperação do IVA contido em créditos em atraso ou considerados incobráveis, naquilo que avalia como “positivo”, mas que atendendo aos desafios atuais a medida devia ser mais ambiciosa.

Com o OE2020, os sujeitos passam a poder recuperar o IVA em causa após 12 meses de mora do crédito. Por outro lado, onde a Autoridade Tributária e Aduaneira dispunha de um prazo de oito meses para dar resposta aos processos, passa a dispor de quatro meses para o efeito, o que se revela bastante positivo.

Embalagens de plástico

Numa altura em que os restaurantes só podem vender as refeições em sistema de entrega ao domicílio ou em take-away, é de todo questionável a pertinência da criação de uma taxa sobre as embalagens de plástico descartáveis.

Sem esquecer as preocupações ambientais subjacentes a esta contribuição, esta autorização legislativa revela-se desajustada face ao contexto atual, em que foi imposto o encerramento temporário dos espaços físicos de restauração e em que os regimes de take- away e plataformas digitais de entrega de refeições prontas a consumir são as únicas possibilidades de manutenção da atividade económica do sector da restauração.

Imposto do Selo no crédito ao consumo

Onerar mais o crédito ao consumo é igualmente desajustado nesta fase, já que a perda de rendimentos se transformou numa realidade para muitos portugueses e haverá casos de pessoas que terão de recorrer a empréstimos bancários para sobreviver.

O OE2020 prevê um agravamento do Imposto do Selo sobre os créditos ao consumo em que não só as taxas neste tipo de operações de crédito foram aumentadas em aproximadamente 10%, nos diferentes prazos, como se manteve o agravamento do imposto em 50%, para as novas operações, ora num cenário como o que se vive actualmente, em que as novas operações de crédito ao consumo e a liquidez que as mesmas permitem se destinarão à satisfação de necessidades mais básicas, o agravamento deste tipo de tributação poderá ter o efeito contrário ao que neste momento se pretende.

IMT no património de elevado valor

A inevitável paragem no imobiliário também desaconselha os aumentos da carga fiscal aplicada ao sector.

A partir de 1 de abril é introduzida uma nova taxa de IMT de 7,5% na compra de imóveis para habitação com um valor acima de um milhão de euros. Pese embora a medida tenha sido concebida de forma a afetar apenas parte da população portuguesa, a mesma constitui mais um obstáculo a uma rápida renovação da atividade imobiliária, sector que se estima que seja afetado de forma muito relevante e também de forma imediata.

No entanto, como se trata de uma medida com âmbito limitado a adquirentes de imóveis com capacidade financeira para a aquisição de imóveis de preço elevado”, pode admitir-se.

 

Este é, pois, um orçamento já umbilicalmente ligado ao seu rectificativo e só o comportamento da nossa economia face ao contexto pandémico da Covid 19 poderá determinar da maior ou menor aplicação do Orçamento ora aprovado.