A Gravação da Prova e o Recurso das Decisões Judiciais

A audiência final (ou de julgamento) das acções judiciais, respectivos incidentes e procedimentos cautelares é sempre gravada, sendo a gravação efectuada através de sistema vídeo ou sonoro.

Isto significa, em apertada síntese, que na audiência final os requerimentos das partes (ou seus mandatários), os despachos do Juiz, os depoimentos de testemunhas, declarações e depoimentos das partes, esclarecimentos orais de peritos, acareações e, em geral, de todos os meios de prova que têm subjacente a prestação de declarações por pessoas, são obrigatoriamente gravados através de sistema vídeo ou áudio.

Tal gravação é disponibilizada às partes no prazo de dois dias e a sua falta ou deficiência (anomalia) podem ser invocadas no prazo de 10 dias a contar do momento em que a gravação é disponibilizada.

Este regime está intrinsecamente relacionado com o recurso das decisões judiciais que sucedem à audiência final, na medida em que, não concordando com a decisão e, muito concretamente, com a apreciação dos meios de prova gravados, as partes vencidas têm o direito de recorrer, devendo o recurso obedecer a critérios muito apertados.

Com efeito, as sentenças têm requisitos de forma, designadamente, deve enunciar os factos que o Juiz considerou provados e não provados, seguindo-se a análise crítica da prova produzida (ou motivação) onde, no essencial, se explica aos destinatários da decisão (as partes) porque razão se julgaram provados uns factos e não provados outros.

Seguidamente, o Juiz aplica a Lei em conformidade com os factos considerados provados.

Por este motivo, na maior parte dos casos a discordância relativamente às decisões judiciais finais não se prende com a decisão da matéria de direito, isto é, com a interpretação e/ou aplicação da Lei, pois, embora se admita como sempre possível o erro na aplicação do direito, regra geral este é mais raro. Na maior parte das situações, a discordância situa-se a montante, na própria decisão da matéria de facto, ou seja, nos factos que o Tribunal julgou provados e não provados, porque é aqui que reside o núcleo fundamental da matéria que determinará a solução do litígio.

Ora, como supra se aludiu, não concordando com a decisão da matéria de facto, a parte vencida pode impugná-la perante os Tribunais da Relação (hierarquicamente superiores), mas neste caso o recurso tem necessariamente de cumprir requisitos muito apertados, sob pena de imediata rejeição sem convite a aperfeiçoamento.

É importante ter sempre presente que a tarefa do Advogado é, no essencial, convencer a(s) pessoa(s) encarregues de decidir o litígio da razão dos seus clientes. E permitam-nos a ousadia: não haverá tarefa mais árdua, mas simultaneamente aliciante, do que essa.

Para se convencer o(s) destinatário(s) do recurso do desacerto da decisão de facto, é muitas vezes necessário requerer a reapreciação dos meios de prova gravados (os depoimentos de testemunhas, declarações e depoimentos das partes, esclarecimentos orais de peritos, acareações, etc.). Mas não basta afirmar-se que o Juiz errou na apreciação ou interpretação da prova, é necessário cumprir as seguintes regras:

a-) Indicar os concretos pontos de facto que se consideram incorrectamente julgados;

b-) Indicar os concretos meios probatórios, constantes da gravação, que impunham decisão diversa da recorrida;

c-) Indicar a decisão que, no entender do recorrente, deveria ter sido proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Para o efeito e tentando concretizar, o Recorrente (ou melhor, o seu advogado) tem de indicar, de entre o elenco dos factos provados e não provados, quais aqueles com os quais não concorda.

Depois, tem de ouvir a gravação e indicar aos Senhores Juízes Desembargadores o minuto em que se encontram gravadas as declarações em que funda a discordância, podendo, se o entender, proceder à transcrição daquilo que as testemunhas, partes ou peritos afirmaram em Tribunal.

Ainda, tem de explanar as razões pelas quais tais excertos da prova gravada impunham decisão diversa.

E, finalmente, tem de indicar a redacção que deverá ser dada às questões de facto impugnadas, isto é, concretizar que determinados factos deveriam ser dados como provados (propondo a redacção de tal facto) e outros deveria ter sido dados como não provados.

Como se vê, neste aspecto a tarefa do Advogado é extremamente árdua e minuciosa, pois tem de ir muito mais além do que o próprio Juiz que proferiu a decisão recorrida, para tanto sendo absolutamente essencial a gravação da prova produzida em audiência de julgamento.

Podemos concluir que, sem gravação da prova, não é possível exercer um efectivo direito ao recurso.

Essa gravação deve ser, tanto quanto possível, de qualidade e, idealmente, realizada por meios audiovisuais, o que em Portugal é ainda uma realidade distante para a esmagadora maioria dos Tribunais (que apenas gravam áudio).

Passamos a explicar porquê:

Na tarefa de apreciação da prova, é manifesta a diferença entre o Juiz da 1.a instância e os Juízes Desembargadores dos Tribunais da Relação, pois enquanto aquele beneficia da imediação e da oralidade, estes estão limitados a uma gravação áudio, muitas vezes de má qualidade. Ou seja, uma mera gravação áudio quase nunca permite adquirir as reacções humanas que só são apreensíveis mediante o contacto directo com os depoentes na audiência: as razões de ciência, a espontaneidade, a linguagem (verbal e não verbal), as hesitações, o tom de voz, as contradições, etc.

As razões pelas quais se confere credibilidade a determinadas provas e não a outras dependem em larga escala desse juízo de valoração realizado por quem directamente contactou com os depoentes.

De resto, este argumento é muitas vezes (até excessivamente, diremos nós) utilizado pelos Juízes Desembargadores para não alterarem a decisão da matéria de facto, escudando-se nos princípios da imediação e da livre apreciação da prova para negarem provimento aos recursos.

A CCM Advogados, como sempre, está preparada e dotada dos conhecimentos jurídicos e de todos os meios, técnicos e humanos, que possibilitam a minuta dos recursos ou respostas àqueles em conformidade com os critérios e exigências do legislador.

Porém, urge dotar os nossos Tribunais de meios de documentação / gravação da prova produzida em audiência de julgamento que verdadeiramente garantam um duplo grau de jurisdição a todos os que se considerem injustamente prejudicados pelas decisões judiciais, designadamente, de meios de gravação audiovisuais, com alta definição, que tornem acessível aos Juízes Desembargadores as tais reacções humanas dos depoentes que, de outra forma, lhes estão vedadas.

Dessa forma, estamos convictos, muitas injustiças e arbitrariedades se poderão evitar.