A Colisão de Direitos e a sua Coexistência

Na resolução dos litígios, nem sempre é fácil determinar quem tem razão, isto é, quem tem o direito do seu lado. Muitas vezes, sucede que as partes em litígio têm todas legítimos interesses e direitos que pretendem exercer e, quando assim é, podemos estar perante uma “colisão de direitos”.

Existe uma situação de “colisão de direitos” sempre que o exercício de um direito por uma pessoa impossibilita, no todo ou em parte, o exercício de outro direito, pertencente a outra pessoa.

O legislador ordinário, no art.º 335.º do Código Civil, postula que havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes, enquanto, se os direitos forem desiguais ou de espécie diferente, prevalece o que deva considerar-se superior.

Daqui se extrai, por um lado, que os direitos não são todos iguais, isto é, não são todos da mesma espécie e não estão todos no mesmo patamar de “importância”.

Por outro lado, ainda que de diferente importância e espécie, o exercício do direito que deva considerar-se prevalente não deve ser de tal ordem que inviabilize em absoluto o exercício do direito de menor importância.

Esse princípio de concordância prática, no sentido do melhor equilíbrio possível entre os direitos em colisão, está aliás consagrado no n.º 2 do art.º 18º da Constituição da República Portuguesa.

Mas como é que se determina quais são os direitos superiores?

A definição da superioridade de um direito em relação a outro deve sempre ser feita em concreto, pela ponderação dos interesses que cada titular visa atingir.

É habitual afirmar-se que, em lugar de primazia, se encontra o direito à vida e à integridade física e moral, posto que a vida é o “bem jurídico” mais importante e, nessa medida, inviolável.

Pode assim parecer, porém, se atentarmos às discussões em torno da eutanásia, muitos tendem em considerar que, em determinadas situações, o direito à vida poderá não será assim tão “inviolável”. Queremos com isto apenas ilustrar que, não raras vezes, os próprios direitos fundamentais, liberdade, autonomia, dignidade humana e o direito à vida, podem entrar em colisão. E possuindo tais direitos a mesma hierarquia, há necessidade de se fazer a ponderação desses direitos e para isso se utilizará o princípio da proporcionalidade que levará em conta e peso o valor dos direitos que se encontram em choque.

Mais fácil poderá parecer, por outro lado, a situação de colisão de direitos de diferente hierarquia, por exemplo, os direitos de personalidade, os direitos à propriedade privada e à iniciativa privada, o direito de livre circulação, entre outros.

Mas mesmo nestes casos, a prevalência dos direitos de personalidade sobre os outros direitos, só poderá ser afirmada pelos Tribunais com base na ponderação concreta da situação ajuizada, sopesando devidamente os factos, por forma a que, havendo colisão de direitos, todos eles possam na medida do possível produzir igualmente os seus efeitos.

Veja-se, a título de exemplo, a actividade de construção e exploração de auto-estradas, aeroportos e outras infra-estruturas de mobilidade. Estas actividades facilmente colidem com o direito ao sono, ao repouso e ao ambiente de vida sadio das pessoas que se vejam afectadas pelo ruído produzido por aquelas infra-estruturas.

Porém, o interesse público e privado na construção e utilização de tais infra-estruturas é considerado igualmente importante, de molde que, em concreto, poderá considerar-se que os dois direitos (interesses) estarão em pé de igualdade e, nessa medida, deve ser encontrada solução proporcional que permita a sua coexistência.

O que não pode suceder, nunca, perante uma situação de colisão de direitos, é que o exercício de um deles seja de tal modo coarctado, que impossibilite na prática que se atinja o fim por ele visado.

Em conclusão, os direitos, independentemente da sua natureza e hierarquia, têm necessariamente de coexistir.

Por isso, a actividade dos Advogados, nesta matéria, é absolutamente crucial, com vista a garantir que os direitos dos seus clientes não sejam coarctados e limitados para além do razoável e que seja sempre possível atingir os fins por este pretendidos.