Fim da prevalência do direito de retenção face à hipoteca em caso de insolvência do construtor
Com o Decreto-lei n.º 48/2024, publicado, no passado dia 25 de julho, estabeleceram-se limitações à prevalência do direito de retenção sobre as hipotecas previamente constituídas, prevista no artigo 759.º, n.º 2, do Código Civil (“CC”), reforçando a posição dos credores hipotecários.
Note-se que, anteriormente a esta alteração, o direito de retenção prevalecia de forma absoluta sobre a hipoteca.
A alteração resulta de imposição da União Europeia para libertação de fundos do Plano de Recuperação e Resiliência e versa sobre uma das normas mais controversas do nosso Direito Civil atual, tendo, inclusivamente, suscitado por mais de uma vez a intervenção do Tribunal Constitucional no sentido de aferir da sua inconstitucionalidade.
È, assim, alterado o n.º 1, do artigo 759.º, do CC, no sentido de, quando o direito de retenção incida sobre coisa imóvel, ”o respetivo titular, enquanto não entregar a coisa retida, tem a faculdade de a executar, nos mesmos termos em que o pode fazer o credor hipotecário, e de, nos casos em que o crédito assegura o reembolso de despesas para a conservar ou aumentar o seu valor, ser pago com preferência aos demais credores do devedor”.
Restringe-se, pois, a preferência no pagamento atribuída ao retentor apenas aos casos em que este incorreu em despesas de conservação ou beneficiação da coisa imóvel objeto do direito de retenção, o que justifica que o Decreto-lei venha igualmente alterar o n.º 2, do mesmo artigo 759.º, do CC, dispondo que,” nos casos previstos na parte final do número anterior, o direito de retenção prevalece sobre a hipoteca, ainda que esta tenha sido registada anteriormente”.
O referido Decreto-lei vem, assim, recuperar a sugestão dos anteprojetos do CC, com vista a restringir a preferência do retentor em relação ao credor hipotecário prévio apenas aos casos em que este último acabaria enriquecido pelos atos de conservação e/ou melhoramentos feitos na coisa pelo retentor, ou seja, na medida em que aqueles atos aumentem o valor da coisa e, consequentemente, tenham repercussão na melhor satisfação do crédito garantido pela hipoteca em sede de processo executivo e/ou insolvência.
Note-se que o Decreto-lei não introduziu qualquer ressalva a esta restrição relativamente à preferência no pagamento e à prevalência face aos credores hipotecários do retentor ”beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, sobre essa coisa, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos temos do artigo 442.º” (cfr. o artigo 755.º, n.º 1, al f), do CC), nem do retentor consumidor promitente-comprador que veja o cumprimento do contrato-promessa ser recusado pelo administrador da insolvência do promitente-vendedor.
Donde, a eficácia prática desses direitos de retenção fica consideravelmente enfraquecida, somente existindo na eventualidade de se terem constituído antes da hipoteca.
No artigo 3.º do Decreto-lei em análise, determina-se que as alterações introduzidas ao artigo 759.º CC apenas se aplicam «aos direitos de retenção que sejam constituídos após a sua entrada em vigor», ou seja, e de acordo com o artigo 4.º, aqueles constituídos a partir do dia 25 de agosto de 2024.
Isto é, tendo por hipótese o direito de retenção do promitente-comprador (consumidor ou não), este apenas gozará de prevalência face às hipotecas constituídas previamente, se o incumprimento definitivo do contrato-promessa por parte do promitente-vendedor ou, em caso de insolvência do promitente-vendedor, a recusa, expressa ou tácita, do administrador da insolvência em cumprir o contrato-promessa ocorra antes da data acima referida.
Sócia da CCM Advogados